Quem vigia os vigilantes?

Tiago

Vivemos em uma Sociedade do Cansaço?

Byung-Chul Han, Heidegger e a tecnologia que cansa

Tive a oportunidade de reler (e fazer um trabalho a respeito) o livro “A Sociedade do Cansaço” recentemente. Foi interessante ter contato novamente com essa obra tão pertinente à sociedade contemporânea. Foi escrito por Byung-Chul Han.

Han nasceu na cidade de Seul em 1959. Estudou na Alemanha Filosofia, Teologia e Literatura alemã. Quando fez seu doutorado, optou por escrever uma tese baseada nos escritos e teorias de outro alemão, também bem conhecido: Heidegger. Esse aí é o Han. Fonte: [5]

Antes de falarmos mais sobre Han, cabe lembrar que Heidegger também escreveu sobre tecnologia, como por exemplo:

“De este modo, la esencia de la técnica tampoco es en manera alguna nada técnico. Por esto nunca experienciaremos nuestra relación para con la esencia de la técnica mientras nos limitemos a representar únicamente lo técnico y a impulsarlo, mientras nos resignemos con lo técnico o lo esquivemos. En todas partes estamos encadenados a la técnica sin que nos podamos librar de ella, tanto si la afirmamos apasionadamente como si la negamos. Sin embargo, cuando del peor modo estamos abandonados a la esencia de la técnica es cuando la consideramos como algo neutral, porque esta representación, a la que hoy se rinde pleitesía de un modo especial, nos hace completamente ciegos para la esencia de la técnica” [1]

Em um de seus textos, em um conceito que acho bem interessante e atual, ele fala sobre "pensamento calculador e o pensamento meditativo". Escrevi alguns anos atrás um pequeno ensaio sobre Heidegger, que reproduzo aqui um trecho:

"(...) Há, assim, dois tipos de pensar, cada um dos quais é, por sua vez e à sua maneira, justificado e necessário: o pensar calculador e a reflexão meditativa.
É possível discorrer a respeito de ambos e construir uma relação entre o pensamento e a tecnologia e o uso que o homem moderno faz dessa tecnologia nos dias atuais."

O pensamento calculador não denota simplesmente pensamento matemático, onde há a necessidade de resolver equações e pensar de forma linear e metódica, mas sim um pensamento que transcorre de um problema inicial de forma quase automática, calculando novas perspectivas e possibilidades sem, no entanto, parar para meditar. Temos então que esse pensamento não se trata de um pensamento meditativo, mas sim que ocorre de forma dinâmica, entremeado na solução e com o objetivo apenas de se “calcular” rapidamente a melhor solução.

Nesse processo, o homem pode perder a essência do que busca trabalhar, pois age de forma automática, perdendo a objetividade e alterando o foco da atenção para a tecnologia em si, e não para o resultado necessário ou almejado com o desenvolvimento do trabalho.

Trazendo essa análise para o mundo atual, percebemos que a tecnologia e as ®evoluções tecnológicas dos últimos 20 anos tendem a construir no homem a busca pelo pensamento calculador, em detrimento do pensamento meditativo. [2]

Ora, hoje vivemos uma era onde tudo acontece muito rápido: conhecimento "fast-food", velocidade nas publicações, quantidade de likes, tudo acabando rapidamente e exigindo que o ciclo se reinicie. É a reflexão do sociólogo polonês Bauman sobre sociedade líquida, amor líquido e relações líquidas. E, dentro de tudo isso, ouso acrescentar aos conceitos de Heidegger a questão do pensamento superficial, rápido e sem sustentação lógica ou argumentativa. É simplesmente acompanhar a maré, deixando-se influenciar por outras informações igualmente rasas (e "líquidas").

Não é possível, por exemplo, para uma pessoa recém-chegada na área de tecnologia aprender a programar em algumas semanas e se equiparar, em nível de experiência e maturidade técnica, a um profissional que programa há 20 anos.
É claro que qualquer um pode aprender uma técnica em algumas semanas. Mas é importante entender que esse conhecimento, para se sedimentar e tornar-se sólido, levará alguns anos. Isso vale para qualquer área da vida que se deseja especializar.

E, falando sobre as relações humanas, cabe salientar que o progresso de um povo (e de um indivíduo) não se dá pelo progresso tecnológico, mas sim pelo progresso de suas relações (de trabalho, sociais e pessoais). Até mesmo a tecnologia atual (com redes e mídias sociais, por exemplo) tem como foco a relação entre as pessoas. Talvez a saída fosse desacelerar um pouco, apreciar e aproveitar mais o momento. O que devemos buscar não é o último aparato tecnológico, mas sim a essência das coisas nas quais nos debruçamos para criar ou para absorver.

Não é necessário fazer leitura dinâmica do livro que você gosta, nem realizar sua atividade física por obrigação.
E nem tampouco é imprescindível assistir à série que "todo mundo está assistindo".
O material que você escolhe consumir, seja lendo, assistindo ou ouvindo, você o faz (ou deveria fazer) para buscar e entender a mensagem principal.
Entender sua essência.
E para entender a essência, não podemos fazer isso rápido.
Não podemos fazer isso com pensamento raso, mas sim com o pensamento que calcula e/ou o que medita.

A Sociedade do Cansaço

Estamos todos cansados. Fonte: [6]

A Sociedade do Cansaço, embora tenha sido escrito em 2015, traz uma análise interessante sobre nossa sociedade, utilizando como analogia a questão epidêmica. O primeiro artigo do livro trata de uma possível pandemia gripal, mas vai além, construindo uma analogia sólida sobre as raízes dos diversos problemas enfrentados pela sociedade atual.

Ao reler essa obra no mês passado, deparei-me com uma brilhante analogia entre uma epidemia e nossa sociedade. Han faz um voo panorâmico sobre as patologias modernas, como déficit de atenção, depressão e síndrome de burnout. A coincidência dessa analogia com uma epidemia é interessante, dado o contexto atual.

A sociedade está doente. Han escreve:

"El agotamiento, la fatiga y la asfixia ante la sobreabundancia tampoco son reacciones inmunológicas. Todos ellos consisten en manifestaciones de una violencia neuronal, que no es viral, puesto que no se deriva de ninguna negatividad inmunológica". [3, p.19]

Essa hiperatividade e a mecanicidade imposta pelo mundo atual e pelo consumo desenfreado encontram na tecnologia sua principal mídia de propagação. Somos uma sociedade dominada pelo cansaço, um cansaço solitário, que isola, secciona e impede a ação.

Acredito que o primeiro passo é reconhecer a sociedade do cansaço.
Depois, buscar encontrar a essência naquilo que nos propomos a fazer.
Deixar de lado a velocidade, a necessidade de acompanhar tudo e filtrar com mais diligência o conteúdo que consumimos.
E, claro, entender que ao consumir conteúdo de mídias sociais, estamos sendo consumidos.

Cabe discutirmos em um próximo texto como essa rede de filtros e estatísticas nos numera e elenca nossas preferências para nos vender mais e mais.
Mas isso fica para outro dia.

Agora que você já conhece a sociedade do cansaço,
Vai conseguir se defender?

Referências

  1. Heidegger. Conferencias y artículos, pp. 9-37.
  2. Bacciotti-Moreira, Tiago. O pensamento que medita e tecnologia em Heidegger. 2018.
  3. Han, B.-C. A Sociedade do Cansaço. 2015.
  4. Han, B.-C. La agonía de Eros. 2014.

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